A Miosina sob a Lupa: Adaptações Distintas do Treino de Força e Endurance
Por Dr. Andre Lopes
A capacidade de adaptação do músculo esquelético é notável, refletindo-se em como ele responde a diferentes estímulos de treinamento. Um dos pilares dessa plasticidade reside na atividade da ATPase de miosina, uma enzima fundamental para a contração muscular. Embora tanto o treino de força quanto o de endurance busquem otimizar o desempenho, eles induzem modificações distintas e complementares na função dessa enzima, adaptando o músculo às demandas específicas de cada modalidade.
No contexto do treino de força, as adaptações visam maximizar a potência e a velocidade de contração. Observa-se um aumento pronunciado da atividade da ATPase de miosina, especialmente nas fibras musculares de contração rápida (tipo II). Essa elevação é crucial para a geração de força e velocidade, sendo impulsionada por uma maior taxa de liberação dos produtos da hidrólise do ATP [1]. Estudos em modelos animais e humanos confirmam que o treinamento resistido intensifica a atividade da ATPase de miosina, resultando em maior potência muscular [2, 3]. Além disso, essas adaptações envolvem uma transição de isoformas de miosina, como de MHC2x para MHC2a, que contribui diretamente para aprimorar a capacidade de gerar força.
Por outro lado, o treino de endurance (resistência) promove um conjunto diferente de adaptações, focando na eficiência e na resistência à fadiga. Embora também possa haver um aumento na atividade da ATPase de miosina, este é mais evidente nas fibras de contração lenta (tipo I) e de menor magnitude comparado ao treino de força [4]. O endurance induz modificações estruturais significativas, como o aumento da capilarização e do conteúdo mitocondrial, que otimizam o fornecimento de oxigênio e a produção de energia aeróbica. Curiosamente, mesmo com a predominância de isoformas de miosina lentas (MHC-I), a atividade da ATPase pode ser aprimorada, sugerindo que mecanismos como modificações pós-traducionais da miosina ou de proteínas associadas podem desempenhar um papel importante nessa resposta adaptativa [5].
É relevante notar que a atividade física regular também influencia o estado conformacional da miosina em repouso, modulando o consumo basal de ATP. Indivíduos fisicamente ativos tendem a apresentar uma maior proporção de miosina no estado super-relaxado (SRX) em fibras tipo II, o que otimiza a economia energética ao reduzir o consumo de ATP em repouso [6]. Essa adaptação, embora não distintamente diferente entre atletas de endurance e força, sublinha a importância da atividade física para a eficiência metabólica do músculo.
Em síntese, a plasticidade do músculo esquelético, refletida nas adaptações da ATPase de miosina, é um testemunho de sua notável capacidade de se moldar às demandas impostas. Enquanto o treino de força aprimora a potência através da otimização da hidrólise de ATP em fibras rápidas, o treino de endurance foca na eficiência e resistência em fibras lentas, com mecanismos que podem ir além das simples transições de isoformas. Compreender essas distinções é fundamental para o desenvolvimento de programas de treinamento que otimizem o desempenho muscular de acordo com os objetivos específicos de cada indivíduo.
1. Increase in Muscle Power Is Associated With Myofibrillar ATPase Adaptations During Resistance Training. Philippe AG, Lionne C, Sanchez AMJ, Pagano AF, Candau R. Experimental Physiology. 2019;104(8):1274-1285. doi:10.1113/EP087071.
2. Effects of Resistance Training on Myosin Function Studied by the in Vitro Motility Assay in Young and Older Men. Canepari M, Rossi R, Pellegrino MA, et al. Journal of Applied Physiology (Bethesda, Md. : 1985). 2005;98(6):2390-5. doi:10.1152/japplphysiol.01103.2004.
3. Myosin ATPase Activity After Strengthening Exercise. Jaweed MM, Herbison GJ, Ditunno JF. Journal of Anatomy. 1977;124(Pt 2):371-81.
4. Effects of Endurance Training on Muscle Fibre ATP-ase Activity, Capillary Supply and Mitochondrial Content in Man. Ingjer F. The Journal of Physiology. 1979;294:419-32. doi:10.1113/jphysiol.1979.sp012938.
5. Paradoxical Effects of Endurance Training and Chronic Hypoxia on Myofibrillar ATPase Activity. Roels B, Reggiani C, Reboul C, et al. American Journal of Physiology. Regulatory, Integrative and Comparative Physiology. 2008;294(6):R1911-8. doi:10.1152/ajpregu.00210.2006.
6. Physical Activity Impacts Resting Skeletal Muscle Myosin Conformation and Lowers Its ATP Consumption. Lewis CTA, Tabrizian L, Nielsen J, et al. The Journal of General Physiology. 2023;155(7):e202213268. doi:10.1085/jgp.202213268.
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